Levanta o Braço, Grita a tua Liberdade
Passados 40 anos, o que representa nos dias de hoje o colonialismo, a guerra, a libertação e a liberdade? Como se transmitem as memórias deste período para as gerações futuras? Como se constrói um futuro comum a partir deste passado?
Estas serão algumas das questões de fundo lançadas pela oitava edição do Rotas & Rituais, dedicada aos 40 Anos das independências de países africanos com os quais Portugal teve um relacionamento que provoca, até hoje, cruzamentos que enriquecem Lisboa e constituem uma das suas características distintivas.
Mais do que focar relações entre países, procurou-se privilegiar as pessoas, trazendo a rua para o Cinema São Jorge, através de debates com interlocutores e temas que habitualmente não têm este palco, enquadrados por diversos documentários que ajudam a compreender o pós-colonialismo. Nas paredes do São Jorge, os rostos dos Filhos do Vento lembram quem foi esquecido.
A rua, neste caso, é também literal. Reconhecendo a arte urbana enquanto palco privilegiado de intervenção social, lançamos um desafio, em parceria com a Galeria de Arte Urbana da Câmara Municipal de Lisboa, para apresentação de propostas de construção de um mural que revisite as independências à luz da actualidade.
E porque não há revoluções sem música, ela estará bem presente nesta edição do Rotas & Rituais. Numa altura de passagem de testemunho entre gerações, teremos dois concertos inéditos de grupos históricos: Os Tubarões de Cabo Verde e os Ghorwane de Moçambique, complementados pela reflexão contemporânea do angolano Nástio Mosquito e o seu convidado Moço Árabe. Contamos ainda com um Baile das Independências no foyer do Cinema São Jorge, ao som dos ritmos energéticos dos guineenses Djumbai Djazz.
Uma semana intensa que serve para a cidade olhar para ela própria.
O mote é dado pelo título de uma canção de Os Tubarões, escrita há quase 40 anos: Labanta Braço, Grita Bo Liberdade.
Conselho de Administração da EGEAC
“Todas as vezes que um homem fez triunfar a dignidade do espírito, todas as vezes que um homem disse não a qualquer tentativa de opressão do seu semelhante, senti-me solidário com seu acto.”
Tendo como mote a celebração do Quadragésimo Aniversário da Independência do domínio colonial português, o Rotas & Rituais convida-o a uma viagem pelo passado e presente de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Portugal.
São histórias sobre o colonialismo e a descolonização, testemunhos de guerra, de luta, de liberdade, de sobrevivência, de reconciliação com o passado, mas também de esperança no futuro. E a data assim deve ser celebrada, como uma luta pela liberdade e contra a opressão.
Ao longo do tempo e da história, novos paradigmas se levantaram, mas algo prevalece. Como escreveu Mia Couto “O colonialismo não morreu com as independências. Mudou de turno e de executores1”. Se no passado se tratava de imperialismo, hoje falamos na globalização, mas os pressupostos do sistema mundial não são assim tão diferentes. Um jogo constante de aproximação e distanciamento, de interesses e poder, orientado por regras cada vez menos tolerantes, inclusivas e solidárias. Ao mesmo tempo que se encurtam distâncias entre países, constroem-se barreiras invisíveis entre os povos.
E apesar do discurso sobre interculturalidade, permanecem difíceis os trilhos para a inclusão social, económica e cultural dos africanos em Portugal. O passado colonial persiste em caminhar sobre as gerações seguintes que enfrentam ainda situações de discriminação, racismo e resistência à sua integração – uma realidade que discrimina e ao mesmo tempo se diz ser multicultural.
Também resistente continua o silêncio que envolve a história e que recusa o reencontro com o nosso passado. Um passado para nunca mais esquecer, não querendo ser lembrado. Mas não podemos apagar a nossa história, minimizar a importância da escravatura, da colonização, da guerra e da libertação. Quatro décadas se passaram e é tempo de recordar, rever atitudes, impedir que o tema sucumba ao silêncio e caia no esquecimento das gerações de hoje e de amanhã. Porque esquecer é o que nos pode envergonhar.
Paula Nunes
Programadora Rotas & Rituais
1 Mia Couto, Economia– A Fronteira da Cultura, 2003 (texto apresentado na AMECON – Associação Moçambicana de Economistas)